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20/04/2010 - UMA RESPONSABILIDADE SOCIAL QUESTIONÁVEL
PAULO CASSIO NICOLELIS
Advogado; Mestre em Direito Civil; coordenador do Núcleo Cível da CABRAL ADVOGADOS ASSOCIADOS
e
JOSÉ CABRAL PEREIRA FAGUNDES JÚNIOR
Advogado; Titular da CABRAL ADVOGADOS ASSOCIADOS; Juiz do Tribunal de Impostos e Taxas de São Paulo - TIT
A recente Lei do Turismo (Lei 11.771/08, de 17/10/2008) define em seu artigo 27 o conceito de agência de turismo, as atividades que podem ser consideradas serviços de operação de viagens e, ainda, aquelas complementares e que podem ser oferecidas ao consumidor. Logo, a atividade exercida pela agência consiste primordialmente na intervenção comissionada entre fornecedores e consumidores de serviços turísticos. Quando a agência vende passagens ou comercializa excursões que não sejam diretamente operadas por ela própria, pratica simplesmente um ato de intermediação pura, estreitando e ajustando os interesses dos viajantes com os efetivos prestadores dos serviços contratados.
Entregues ao passageiro os bilhetes ou o voucher da viagem, acaba a interferência da agência. Nessa hipótese, ela não poderá ser responsabilizada por dano causado ao consumidor. Isto porque não poderia lhe causar ofensa concreta porquanto não foi quem prestou os serviços danosos. Deste modo, inexiste nexo de causalidade entre o dano causado por terceiro ao consumidor e as atividades executadas pela agência. Nesse passo, demonstrado pela agência que apenas intermediou a contratação e que a sua atuação foi concluída satisfatoriamente, torna-se indiscutível que o dano causado foi por culpa exclusiva de terceiro, isentando-a de responsabilidade.
Pode a agência executar, ou fornecer diretamente, os serviços de turismo. Nessa hipótese, responderá na medida dos serviços por si executados, ou fornecidos, e que tenham sido malsucedidos perante o consumidor. Exige-se, para penalizá-la, a sua atuação direta. Realizando mera intermediação não existirá responsabilidade da agência.
Entidades que se proclamam defensoras do consumidor têm pregado a responsabilidade absoluta das agências de turismo, mesmo naquelas hipóteses em que a empresa atuou como simples intermediária. Decisões judiciais ratificam esse entendimento. Todavia, essa percepção apressada deverá ser revista.
Ora, quem acolhe a tese da responsabilidade irrestrita esquece que a agência de turismo quando opera dessa forma é comissionada com um percentual sobre o valor de venda dos serviços executados por terceiros. Nesse caso indagar-se-ia: “Como poderá a agência, nos casos de intermediação pura, se responsabilizar integralmente pelo dano havido, repetidas vezes agravado por pretensões lastreadas em dano moral, se a sua comissão e, pois, ganho efetivo, representou apenas um percentual sobre o valor cobrado pelo fornecedor?” Como, então, indenizar 100% - ou mais - quando são recebidos, em média, apenas 10%? Evidente o abuso!
Portanto, a agência não poderá ser responsabilizada por um serviço deficiente que não executou e pelo qual não foi comissionada com a integralidade - 100% - do valor contratado e pago pelo passageiro. Para a hipótese continuam atualíssimas as máximas “ninguém dá o que não tem” (nemo dat quod non habet) ou “pode ser obrigado a coisas impossíveis” (ad impossibilia nemo tenetur).
A chamada Lei do Turismo chegou em boa hora. Precisamos, todavia, utilizá-la caminhando com conceitos sólidos e, mais do que isso, realmente justos. Embriagar-nos pela miragem causada pela obrigação sem limites das agências de turismo apenas as aniquilará, gerando dissabores muito maiores aos consumidores, iludidos pela sua própria insensatez.
Fonte: Revista HOST
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