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08/06/2006 - OGMs e ROTULAGEM DE ALIMENTOS
PAULO CASSIO NICOLELIS
Advogado; Mestre em Direito Civil; integrante da CABRAL ADVOGADOS ASSOCIADOS; Professor Assistente da PUC/SP
A Engenharia Genética avançou muito nas últimas décadas.
As técnicas mais modernas permitem que o gene de um organismo qualquer seja isolado e transferido para o material genético de outro organismo, criando-se neste último uma característica específica e que passa a ser hereditária.
Assim, por exemplo, com a inserção de um determinado gene numa planta pode ser obtida uma outra nova, resistente a herbicidas, a pragas ou até mesmo a ambientes mais hostis.
O fortalecimento do produto permite um melhor aproveitamento da produção agrícola e inibe a devastação do meio ambiente. Uma safra inteiramente colhida pode alimentar muito mais. Além disso e, principalmente, evita que novas fronteiras agrícolas sejam abertas, preservando os ecossistemas naturais do planeta.
A fome, não se ignora, é um dos mais graves problemas que atinge a humanidade. Os métodos convencionais de produção não evitam que boa parte da colheita seja desperdiçada em razão da atuação das pragas, mesmo com a utilização de defensivos agrícolas. As plantas convencionais suportam certa quantidade de herbicidas. Mesmo assim, isso não é suficiente para que considerável parte da produção se perca.
A crise alimentar é iminente. A produção convencional não consegue acompanhar o crescimento da população mundial. Em razão da crescente necessidade de novas áreas agrícolas o solo e a vegetação nativa são as principais vítimas da devastação.
Daí a importância da Engenharia Genética que permite que sejam conferidas vantagens agronômicas ao produto, tornando-o mais resistente a inseticidas, a pragas e ao meio ambiente hostil. Além disso é possível, também, a criação de um produto com melhor sabor, melhor aroma, mais nutritivo, com uma quantidade maior de certa vitamina. O aumento da produção, sem a devastação da natureza, é um desafio a ser perseguido nos dias atuais.
Por outro lado, todavia, não se sabe, ainda, quais podem ser as conseqüências decorrentes do consumo de plantas ou produtos geneticamente modificados para o homem. Além disso, é desconhecido o impacto ambiental que pode ser causado, em longo prazo, pela agricultura biotecnológica no meio ambiente.
As pesquisas atuais parecem indicar que o consumo de OGMs pelo homem e o impacto deles no meio ambiente não é nocivo. Mas não há, ainda, certeza absoluta.
No Brasil, a introdução no mercado de consumo de um produto geneticamente modificado ou que contenha organismo geneticamente modificado depende de muitos estudos e análises.
O órgão responsável por esses estudos é a CTNBio (Comissão Técnica Nacional de Biossegurança), vinculada ao Ministério da Ciência e Tecnologia. Depois de longas batalhas judiciais e extrajudiciais, essa competência foi atribuída em definitivo à CTNBio pela nova Lei de Biossegurança e Biotecnologia (Lei nº 11.105/2005). Cabe a este órgão, pela nova legislação, realizar o maior número de testes possíveis e colher todos os dados disponíveis que atestem a segurança alimentar do produto geneticamente modificado que se pretenda seja comercializado.
A soja denominada Round up Ready, por exemplo, produzida pela Monsanto do Brasil Ltda. é um grão geneticamente modificado tolerante ao herbicida glifosato e já está liberado pela CTNBio para utilização comercial.
E segundo informações da própria CTNBio, existem hoje inúmeros pedidos de liberação comercial ainda pendentes de apreciação. Constam naquele órgão pedidos de liberação de variedades transgênicas de milho, algodão e arroz, produzidas pelas empresas multinacionais Monsanto, Bayer e Syngenta.
Além disso, a lista de espera inclui, também, relatórios e pedidos de certificação em biossegurança para vários laboratórios. Não bastassem os pedidos de autorização comercial, há mais de 90 pedidos para liberação de pesquisas de campo com plantas transgênicas, envolvendo empresas internacionais e nacionais, como Embrapa, Coodetec, Suzano, Alellyx, International Paper do Brasil e Centro de Tecnologia Canavieira.
O que se pode esperar, num período de tempo não muito longo, é que uma enxurrada de produtos geneticamente modificados serão colocados na mesa do consumidor brasileiro.
Por isso, a presença transgênica no alimento ou nos ingredientes alimentares postos em circulação, quando superior a 1% deve constar obrigatoriamente do rótulo do produto embalado e também naqueles vendidos a granel ou in natura, consoante determina o Decreto nº 4.680/2003 que regulamenta o direito à informação do consumidor.
Igualmente, a Portaria n° 2.658/2003 do Ministério da Justiça criou o símbolo que deve compor a embalagem dos produtos OGMs ou contendo OGMS. Trata-se de um T envolvido por um triângulo.
A finalidade deve ser uma só: informar o consumidor, não assustá-lo.
Isso porque o produto só é liberado para consumo pela CTNBio após ter sido exaustivamente analisado em termos de segurança alimentar.
A indicação no rótulo decorre, na verdade, de um direito básico do consumidor - o de ser devidamente informado - para que assim possa optar entre comprar um produto geneticamente modificado ou um similar convencional.
Mas leis estaduais têm, reiteradamente, descumprido a legislação federal, impondo a rotulagem sem que se observe qualquer limite quanto à presença de OGMs.
Com efeito, não é raro encontrar normas locais que determinam a inclusão da frase “alimento geneticamente modificado” no respectivo rótulo de alimentos e ingredientes alimentares destinados ao consumo humano que contenham ou sejam produzidos a partir de organismos geneticamente modificados, sem a ressalva de que a rotulagem só é obrigatória se for constatado mais de 1% de OGM, como determina o aludido Decreto Federal nº 4.680/03.
Essas normas locais se afiguram, a toda evidência, inconstitucionais.
Isso porque em matéria de produção, consumo, proteção e defesa da saúde, a competência para legislar é concorrente, como se depreende do artigo 24, incisos V e XII, da Constituição Federal.
Na concorrência, como é cediço, desde que exista lei federal sobre a matéria, a competência dos Estados existe tão somente para complementar as normas federais gerais, editando normas que digam respeito às suas peculiaridades regionais.
A análise dos parágrafos 1º, 2º, 3º e 4º de referido artigo 24 leva à inequívoca conclusão de que, no âmbito da competência concorrente, compete à União estabelecer apenas normas gerais (art. 24, § 1º). Aos Estados, de outro lado, cabe complementar essas normas, promulgando outras que adicionem particularidades à regra geral, sempre em função da sua realidade local. Trata-se da denominada competência suplementar do Estado (art. 24, § 2º).
Assim, decorre inegavelmente do texto constitucional que somente à União é permitido legislar, de forma genérica, sobre produção, consumo, proteção e defesa da saúde.
Por isso, compete exclusivamente à União estabelecer as respectivas normas gerais sobre essas matérias.
O Estado, por sua vez só pode complementar as normas federais gerais sobre esse tema, adaptando-as às suas peculiaridades locais.
Ora, sobre a produção, consumo, proteção e defesa da saúde em matéria de alimentos geneticamente modificados existe, em pleno vigor, legislação federal de caráter geral.
A nova Lei de Biossegurança e Biotecnologia (Lei nº 11.105/05) já referida e seu Decreto Regulamentador (Decreto Federal nº 5591/05) e também o Decreto Federal nº 4680 de 24 de abril de 2003, tratam dessa matéria.
A Lei 11.105/05, estabelece normas de segurança e fiscalização para o uso das técnicas de engenharia genética e liberação no meio ambiente de organismos geneticamente modificados, inclusive normas para comercialização e consumo de alimentos transgênicos.
O Decreto Federal nº 5591/05, por sua vez, regulamenta a Lei nº 11.105/05 em quase todos os seus aspectos.
E o Decreto Federal nº 4680/03 disciplina especificamente a rotulagem quanto aos alimentos e ingredientes alimentares destinados ao consumo humano ou animal que contenham ou sejam produzidos a partir de organismos geneticamente modificados e a rotulagem dos alimentos vendidos a granel ou in natura.
Ora, existindo leis federais gerais – diz-se gerais porquanto preordenadas a fixar regras que devem atuar de modo uniforme em todo o Estado Brasileiro - sobre o tema produção, consumo, proteção e defesa da saúde do consumidor, ao Estado somente resta a competência para complementá-las, adaptando-as às peculiaridades locais, nos exatos termos do artigo 24, §§ 1º e 2º da Constituição Federal.
Pois bem.
Sobre a rotulagem a supra referida Lei de Biotecnologia e Biossegurança (Lei nº 11.105/2005) determina em seu artigo 40 que:
Art. 40. Os alimentos e ingredientes alimentares destinados ao consumo humano ou animal que contenham ou sejam produzidos a partir de OGM ou derivados deverão conter informação nesse sentido em seus rótulos, conforme regulamento.
Assim, atendendo ao quanto disposto no artigo 6º inciso III do Código de Defesa do Consumidor, bem como o quanto disposto no artigo 31 desse mesmo diploma legal, ou seja, para que seja considerado o direito básico do consumidor de ter informação clara, adequada, precisa e ostensiva sobre o produto e sua composição, a Lei Federal determina a informação no rótulo sobre a existência de OGMs, CONFORME REGULAMENTO.
Também o artigo 91 do Decreto Federal nº 5591/2005 que como dito regulamenta a nova Lei de Biossegurança e Biotecnologia, em atenção ao supra aludido direito básico de informação do consumidor previsto no CDC, determina a necessária inserção no rótulo do produto acerca da presença de OGMs, na forma de DECRETO ESPECÍFICO.
Diz o artigo 91 que:
Art. 91. Os alimentos e ingredientes alimentares destinados ao consumo humano ou animal que contenham ou sejam produzidos a partir de OGM e seus derivados deverão conter informação nesse sentido em seus rótulos, na forma de decreto específico.
Ora, tanto a Lei Federal, como o Decreto que a regulamenta determinam a rotulagem dos OGMs, na forma de norma específica.
Essa norma específica, mas de caráter geral, posto que aplicável em todo território nacional, consubstancia-se no Decreto Federal n° 4680/03. Esse decreto está em pleno vigor, pois não foi revogado nem explicitamente nem implicitamente pelas normas federais supra referidas. O seu artigo 2º dispõe, expressamente, que:
Art. 2º Na comercialização de alimentos e ingredientes alimentares destinados ao consumo humano ou animal que contenham ou sejam produzidos a partir de organismos geneticamente modificados, com presença acima do limite de um por cento do produto, o consumidor deverá ser informado da natureza transgênica desse produto.
O decreto federal em vigor é bem claro: só devem ser rotulados alimentos e ingredientes alimentares destinados ao consumo humano ou animal que contenham ou sejam produzidos a partir de organismos geneticamente modificados, com presença acima do limite de um por cento no produto.
É essa a determinação da legislação federal hoje em vigor.
Deflui do raciocínio acima explicitado que a lei local não pode impor a rotulagem sem que se atenda o limite previsto na norma federal geral. Se assim o faz, institui verdadeira norma geral sobre a matéria, o que é vedado pelo sistema de competências estabelecido pela Constituição Federal.
O assunto, data vênia, transcende a esfera dos Estados Membros.
O Decreto Federal nº 4680/03, norma de caráter geral, evita regulamentações diferenciadas em cada Estado da Federação.
Impor obrigação de rotulagem não prevista nessa norma geral federal sem que haja uma peculiaridade local afigura-se, data vênia, inconstitucional pois os produtos alimentícios circulam, “entre estados”, de modo que restará afetado o consumo em geral, com legislações diferentes para o mesmo produto o que, em última análise, pode acarretar a absurda hipótese das empresas se verem obrigadas a elaborar dois rótulos para o mesmo produto, um para cada Estado da Federação.
Em suma, até que nova lei federal entre em vigor e renove a matéria, é o Decreto Federal nº 4.680/03 aplicável em todo território nacional, que deve regular a rotulagem dos alimentos geneticamente modificados.
in MIGALHAS 1428
Fonte: MIGALHAS
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